Publicada em 1/8/2020
Jair Bolsonaro transformou a cloroquina numa panaceia da praça da rodoviária de Belo Horizonte
*Por: Fernando Silva
A Praça Rio Branco, em Belo Horizonte, é mais conhecida por Praça da Rodoviária. Ela fica defronte ao Terminal Rodoviário da capital mineira. O local é estratégico. Milhares de pessoas passam por lá diariamente. A emblemática Avenida Afonso Pena começa nesse ponto.
Um misterioso mosaico humano se formava naquela região, principalmente na década de 1970. Por ali perambulavam pessoas dos mais diferentes padrões sociais. Travestis, prostitutas, mendigos, intelectuais,músicos, religiosos, policiais, poetas populares e malandros de todos os matizes. A “fauna” era intensa e complexa. Os personagens que contracenavam nesse território livre seriam um prato feito para antropólogos, sociólogos, psicólogos, e livres pensadores. Um discípulo de Freud nadaria de braçadas nesse caudaloso mar de idiossincrasia.
O comércio informal (e ilegal) era o símbolo dessa aldeia. E vendia-se de tudo: maconha, afrodisíacos, pomada japonesa e produtos da “roubauto”. “Roubauto” é eufemismo para mercadoria suspeita, de origem incerta. Havia soluções abortivas às pampas. Os usuários do transporte intermunicipal eram o principal alvo da vagabundagem. Os passageiros de ônibus faziam hora nas redondezas até o momento do embarque para o interior de Minas Gerais. Alguns viajariam para outros estados.
Inúmeros inocentes desavisados perdiam carteiras, relógios, cordões de ouro, cuecas e até a dignidade. Gente simples caía com facilidade na lábia de “talentosos” pilantras. Muitas pessoas compravam gatos por lebres em poucos minutos de prosa. Lotes na lua eram negociados a preços módicos. Raizeiros, benzedeiras, ciganos, macumbeiros e representantes de Deus na terra faziam muito sucesso.
Na diversidade da praça, encontravam-se medicamentos para todos os males: espinhela caída, diarreia, cavalo de crista, corrimento vaginal, sífilis e câncer de todos os tipos. Existiam soluções até para os descaminhos dessa existência. Tudo muito simples e prático. O amor perdido voltava num piscar de olhos. Bastava o infeliz apaixonado investir alguns trocados na desesperada reconquista.
As tradicionais raizadas eram vendidas em centenas de garrafões. Essas infusões eram tiro e queda no tratamento de doenças venéreas. Não por acaso, a velha zona boêmia de Belo Horizonte ficava (ou fica) nas proximidades.
E ainda restava uma bela opção para quem apreciava praticar o esporte de jogar dinheiro pela janela: os famigerados “tampinheiros” proliferavam na área. Esses “ilusionistas” usavam habilmente as unhas imensas e negras para ludibriar otários metidos a espertos. Manobravam com rara maestria uma bolinha sob tampinhas de refrigerante.
Um índio com longos cabelos ensebados era outra figurinha carimbada daquelas bandas. A sua performance atraía uma pequena multidão. O “silvícola” prometia libertar terríveis cobras do interior de uma surrada mala de couro. Os curiosos acotovelavam-se para testemunhar a perigosa façanha. O morubixaba de araque fazia uma longa encenação. Embromava o público por horas a fio. E tome ladainha. E nada das serpentes pintarem no pitoresco cenário. O sujeito não se cansava de pedir dinheiro para mostrar os bichos à distinta plateia. Mas, finalmente, depois de arrecadar uma boa quantia, o “filho de Tupã” abria a temerosa canastra. E, para surpresa geral, aparecia uma coleção de peles ressecadas de vários répteis.
O que mais chamava a atenção na Praça da Rodoviária era o intenso vozerio de trambiqueiros. Um berrava mais alto que o outro. O gogó era uma arma preciosa para cativar possíveis fregueses (ou vítimas). O estranho alarido era ouvido a quarteirões de distância. Esse desafinado coral entoava seu mantra peculiar o dia inteiro E, naquele tempo, ainda nem de longe se pensava nesse tal coronavírus. Essa praga sequer flutuava levemente no imaginário popular. Mas, não tenham dúvidas: se a Covid-19 pintasse no pedaço não sobreviveria por muito tempo. Na certa, um chá de plantas exóticas acabaria com o inoportuno inimigo invisível.
Uma possibilidade, porém, ninguém contesta: o presidente Jair Bolsonaro seria uma estrela cintilante da Praça da Rodoviária. O capitão e sua insuperável cloroquina. Afinal, a panaceia do “mito” é remédio para todos os males da humanidade. A droga é eficaz contra malária, lúpus, cancro mole, ressaca, unha encravada, caspa e até uma simples gripezinha. A cloroquina realmente cura tudo, menos a Covid-19. Até as emas do Palácio da Alvorada sabem disso.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do NotíciasUai.
*Por: Fernando Silva
A Praça Rio Branco, em Belo Horizonte, é mais conhecida por Praça da Rodoviária. Ela fica defronte ao Terminal Rodoviário da capital mineira. O local é estratégico. Milhares de pessoas passam por lá diariamente. A emblemática Avenida Afonso Pena começa nesse ponto.
Um misterioso mosaico humano se formava naquela região, principalmente na década de 1970. Por ali perambulavam pessoas dos mais diferentes padrões sociais. Travestis, prostitutas, mendigos, intelectuais,músicos, religiosos, policiais, poetas populares e malandros de todos os matizes. A “fauna” era intensa e complexa. Os personagens que contracenavam nesse território livre seriam um prato feito para antropólogos, sociólogos, psicólogos, e livres pensadores. Um discípulo de Freud nadaria de braçadas nesse caudaloso mar de idiossincrasia.
O comércio informal (e ilegal) era o símbolo dessa aldeia. E vendia-se de tudo: maconha, afrodisíacos, pomada japonesa e produtos da “roubauto”. “Roubauto” é eufemismo para mercadoria suspeita, de origem incerta. Havia soluções abortivas às pampas. Os usuários do transporte intermunicipal eram o principal alvo da vagabundagem. Os passageiros de ônibus faziam hora nas redondezas até o momento do embarque para o interior de Minas Gerais. Alguns viajariam para outros estados.
Inúmeros inocentes desavisados perdiam carteiras, relógios, cordões de ouro, cuecas e até a dignidade. Gente simples caía com facilidade na lábia de “talentosos” pilantras. Muitas pessoas compravam gatos por lebres em poucos minutos de prosa. Lotes na lua eram negociados a preços módicos. Raizeiros, benzedeiras, ciganos, macumbeiros e representantes de Deus na terra faziam muito sucesso.
Na diversidade da praça, encontravam-se medicamentos para todos os males: espinhela caída, diarreia, cavalo de crista, corrimento vaginal, sífilis e câncer de todos os tipos. Existiam soluções até para os descaminhos dessa existência. Tudo muito simples e prático. O amor perdido voltava num piscar de olhos. Bastava o infeliz apaixonado investir alguns trocados na desesperada reconquista.
As tradicionais raizadas eram vendidas em centenas de garrafões. Essas infusões eram tiro e queda no tratamento de doenças venéreas. Não por acaso, a velha zona boêmia de Belo Horizonte ficava (ou fica) nas proximidades.
E ainda restava uma bela opção para quem apreciava praticar o esporte de jogar dinheiro pela janela: os famigerados “tampinheiros” proliferavam na área. Esses “ilusionistas” usavam habilmente as unhas imensas e negras para ludibriar otários metidos a espertos. Manobravam com rara maestria uma bolinha sob tampinhas de refrigerante.
Um índio com longos cabelos ensebados era outra figurinha carimbada daquelas bandas. A sua performance atraía uma pequena multidão. O “silvícola” prometia libertar terríveis cobras do interior de uma surrada mala de couro. Os curiosos acotovelavam-se para testemunhar a perigosa façanha. O morubixaba de araque fazia uma longa encenação. Embromava o público por horas a fio. E tome ladainha. E nada das serpentes pintarem no pitoresco cenário. O sujeito não se cansava de pedir dinheiro para mostrar os bichos à distinta plateia. Mas, finalmente, depois de arrecadar uma boa quantia, o “filho de Tupã” abria a temerosa canastra. E, para surpresa geral, aparecia uma coleção de peles ressecadas de vários répteis.
O que mais chamava a atenção na Praça da Rodoviária era o intenso vozerio de trambiqueiros. Um berrava mais alto que o outro. O gogó era uma arma preciosa para cativar possíveis fregueses (ou vítimas). O estranho alarido era ouvido a quarteirões de distância. Esse desafinado coral entoava seu mantra peculiar o dia inteiro E, naquele tempo, ainda nem de longe se pensava nesse tal coronavírus. Essa praga sequer flutuava levemente no imaginário popular. Mas, não tenham dúvidas: se a Covid-19 pintasse no pedaço não sobreviveria por muito tempo. Na certa, um chá de plantas exóticas acabaria com o inoportuno inimigo invisível.
Uma possibilidade, porém, ninguém contesta: o presidente Jair Bolsonaro seria uma estrela cintilante da Praça da Rodoviária. O capitão e sua insuperável cloroquina. Afinal, a panaceia do “mito” é remédio para todos os males da humanidade. A droga é eficaz contra malária, lúpus, cancro mole, ressaca, unha encravada, caspa e até uma simples gripezinha. A cloroquina realmente cura tudo, menos a Covid-19. Até as emas do Palácio da Alvorada sabem disso.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do NotíciasUai.