Publicada em 1/2/2020
A MINHA ENCANTADORA VIDA NA PRAÇA TIRADENTES DE OURO PRETO
Por: Fernando Silva
A Praça Tiradentes de Ouro Preto não deixa a vida que levo. É a fotografia da parede de minha casa, a pedra encravada no meio do meu caminho, a paisagem que invariavelmente vai dar no meu coração (até mesmo por isso sou drummondiano).
Alegria perene, lembrança eterna. Em alguns casos, frustrações mal digeridas (pra não dizer que não falei de amores). As muitas vitórias e marcantes derrotas (embora poucas). A Praça é a síntese do meu ser.
Permaneço lá. Vivo como um espírito erradio, embora distante. Sou um fantasma dos inconfidentes. Em algumas oportunidades, me encontro nas sacadas dos imponentes casarões coloniais. Em outros momentos, me acomodo preguiçosamente nas escadarias da estátua do herói da pátria, o mártir da independência. Às vezes, mato uma insaciável sede de ontem no chafariz do Museu da Inconfidência. Eu sobrevivo na Praça. A Praça revive em mim. Essa é a minha maior reciprocidade.
O badalar setecentista do sino do relógio do Museu bole com a alma da gente. Soa pausadamente. Bate dolente e alerta: as marcas do tempo são inexoráveis, com muita amargura. A Praça Tiradentes foi o grande simbolismo da minha existência. Ali vadiei a esmo por quase dez anos. A adolescência de sonhos e encantamentos. Essa Efemeridade rima com eternidade.
Vi de tudo. De tudo ouvi. Foi a fascinante década de 1970. Ali dei de cara com Vinícius de Moraes, Marlon Brando, Jô Soares, Chico Buarque de Holanda e Sammy Davis Junior. Havia muitas outras estrelas que faziam da Tiradentes “um céu na terra”. O cantor João Bosco- estudante da Escola de Minas de Ouro Preto- era uma ave rara do local. Até tentei uma convivência com Julian Beck e o Living Theatre. Infelizmente, o meu talento de ator é sub zero. E, nesse caso, quase nada entendi, pouco aprendi.
Na Ágora das Minas Gerais testemunhei os protestos contra a ditadura. O 21 de abril era o dia da bronca. A Praça Tiradentes era (e ainda é) o picadeiro de figuras místicas, misteriosas e exóticas. Refleti muito sobre os ensinamentos do profeta Gentileza. A longa barba esparramava-se pela túnica alva. Aquela visão mítica era uma provocação à alma. A flauta de Bené (um talentoso muito destrambelhado) também deixava a multidão em êxtase.
Uma coisa eu confesso: sentia imenso prazer em conviver com os loucos daquele elegante e emblemático logradouro. Não era fácil distinguir malucos de lúcidos na Ouro Preto da época( bastou um giro pela cidade, na semana passada, para perceber que nada mudou nesse aspecto). Aprendi (muito do pouco que sei) com os despirocados da Praça Tiradentes. Não tenho expressão para definir a imensa saudade de um espaço tão encantador, numa história que já vai se perdendo na inevitável bruma do tempo.
P S: na imagem o profeta Gentileza. Esse personagem místico perambulou pelas ruas de Ouro Preto e Rio de Janeiro, na década de 1970. Na antiga Vila Rica, ele sempre carregava placas com os seus aforismos. No Rio de Janeiro, escrevia mensagens principalmente nas estruturas do Viaduto do Gasômetro.
Por: Fernando Silva
A Praça Tiradentes de Ouro Preto não deixa a vida que levo. É a fotografia da parede de minha casa, a pedra encravada no meio do meu caminho, a paisagem que invariavelmente vai dar no meu coração (até mesmo por isso sou drummondiano).
Alegria perene, lembrança eterna. Em alguns casos, frustrações mal digeridas (pra não dizer que não falei de amores). As muitas vitórias e marcantes derrotas (embora poucas). A Praça é a síntese do meu ser.
Permaneço lá. Vivo como um espírito erradio, embora distante. Sou um fantasma dos inconfidentes. Em algumas oportunidades, me encontro nas sacadas dos imponentes casarões coloniais. Em outros momentos, me acomodo preguiçosamente nas escadarias da estátua do herói da pátria, o mártir da independência. Às vezes, mato uma insaciável sede de ontem no chafariz do Museu da Inconfidência. Eu sobrevivo na Praça. A Praça revive em mim. Essa é a minha maior reciprocidade.
O badalar setecentista do sino do relógio do Museu bole com a alma da gente. Soa pausadamente. Bate dolente e alerta: as marcas do tempo são inexoráveis, com muita amargura. A Praça Tiradentes foi o grande simbolismo da minha existência. Ali vadiei a esmo por quase dez anos. A adolescência de sonhos e encantamentos. Essa Efemeridade rima com eternidade.
Vi de tudo. De tudo ouvi. Foi a fascinante década de 1970. Ali dei de cara com Vinícius de Moraes, Marlon Brando, Jô Soares, Chico Buarque de Holanda e Sammy Davis Junior. Havia muitas outras estrelas que faziam da Tiradentes “um céu na terra”. O cantor João Bosco- estudante da Escola de Minas de Ouro Preto- era uma ave rara do local. Até tentei uma convivência com Julian Beck e o Living Theatre. Infelizmente, o meu talento de ator é sub zero. E, nesse caso, quase nada entendi, pouco aprendi.
Na Ágora das Minas Gerais testemunhei os protestos contra a ditadura. O 21 de abril era o dia da bronca. A Praça Tiradentes era (e ainda é) o picadeiro de figuras místicas, misteriosas e exóticas. Refleti muito sobre os ensinamentos do profeta Gentileza. A longa barba esparramava-se pela túnica alva. Aquela visão mítica era uma provocação à alma. A flauta de Bené (um talentoso muito destrambelhado) também deixava a multidão em êxtase.
Uma coisa eu confesso: sentia imenso prazer em conviver com os loucos daquele elegante e emblemático logradouro. Não era fácil distinguir malucos de lúcidos na Ouro Preto da época( bastou um giro pela cidade, na semana passada, para perceber que nada mudou nesse aspecto). Aprendi (muito do pouco que sei) com os despirocados da Praça Tiradentes. Não tenho expressão para definir a imensa saudade de um espaço tão encantador, numa história que já vai se perdendo na inevitável bruma do tempo.
P S: na imagem o profeta Gentileza. Esse personagem místico perambulou pelas ruas de Ouro Preto e Rio de Janeiro, na década de 1970. Na antiga Vila Rica, ele sempre carregava placas com os seus aforismos. No Rio de Janeiro, escrevia mensagens principalmente nas estruturas do Viaduto do Gasômetro.