Publicada em 21/12/2019
QUANDO AINDA EXISTIA NATAL
Por: Fernando Silva
A celebração do Natal, até o início da segunda metade do século passado, era um momento único. As coisas simples, porém intensamente marcantes. Os tempos eram outros. O homem ainda não havia banalizado a violência. A chamada Indústria Cultural era uma leve projeção futurista. Nem o seu mais nocivo produto havia invadido o cotidiano da sociedade: o consumismo exacerbado.
Naqueles idos, prevaleciam o espírito de solidariedade e a presença de um frágil menino numa manjedoura. O pobre indefeso nasceu num lugar qualquer, lá no extremo oriente. E esse garoto sempre estava muito próximo de cada um de nós, embora distante, imaterial e intocável. A sensação de sua existência, porém, mexia fundo na alma das pessoas, principalmente no crepúsculo do ano.
A missa da meia noite era aguardada com muita expectativa. Era um culto impregnado de muita fé e misticismo. As lembranças daquele momento solene saltam à mente. As imagens estão frescas na memória. O aroma forte e agradável do incenso se esparramava pelo interior da igreja. O som das campainhas era um chamamento à razão. E nós, crianças descompromissadas com a realidade, despertávamos de uma sonolência mórbida.
A mistura de sons e fragrância parecia proceder do além. Pelo menos, essa era a impressão que ficava. O ofício religioso era longo e extenuante. As cantigas do coral ecoavam por todo o interior da “casa do senhor”. Não dava para entender as mensagens que a musicalidade transmitia, pois eram entoadas no mais puro latim. A potente voz do celebrante partia da capela-mor, atravessava o arco-do-cruzeiro e se perdia pelo interior da nave.
O silêncio era profundo na plateia de crentes. Todos os fiéis- compenetrados e exaustos- ouviam a homilia do “porta-voz de Deus” por essas paragens. A oratória era um misto de prolixo com erudito. Os padres eram especialistas em sermões litúrgicos. Gritavam demais. Essa ladainha, porém, não importava. Muito menos incomodava. Afinal, quase todo mundo dormia. Os velhos templos religiosos- frescos e suaves- eram locais ideais para sagrado cochilo.
De minha parte, como prefiro o profano ao sacro, naturalmente troco Natal por réveillon. A natividade não faz bem a mim. Nunca fez. Soa tudo muito falso, vazio e sem sentido. Há mais alambique que religiosidade nessa tradição cristã.
O nascimento de Cristo é sinônimo de comércio. Nessa época do ano negocia- se tudo, por qualquer preço. Vendem-se o menino, a mãe, o pai, os reis visitantes, os bois e as vacas. Nem o capim da estrebaria escapa dessa gula mercantilista.
Até mesmo por isso, prefiro as irreverências das passagens de ano. Gosto mais das imoralidades clássicas. Ainda assim, e apesar de tudo, desejo a todos um feliz Natal.
Por: Fernando Silva
A celebração do Natal, até o início da segunda metade do século passado, era um momento único. As coisas simples, porém intensamente marcantes. Os tempos eram outros. O homem ainda não havia banalizado a violência. A chamada Indústria Cultural era uma leve projeção futurista. Nem o seu mais nocivo produto havia invadido o cotidiano da sociedade: o consumismo exacerbado.
Naqueles idos, prevaleciam o espírito de solidariedade e a presença de um frágil menino numa manjedoura. O pobre indefeso nasceu num lugar qualquer, lá no extremo oriente. E esse garoto sempre estava muito próximo de cada um de nós, embora distante, imaterial e intocável. A sensação de sua existência, porém, mexia fundo na alma das pessoas, principalmente no crepúsculo do ano.
A missa da meia noite era aguardada com muita expectativa. Era um culto impregnado de muita fé e misticismo. As lembranças daquele momento solene saltam à mente. As imagens estão frescas na memória. O aroma forte e agradável do incenso se esparramava pelo interior da igreja. O som das campainhas era um chamamento à razão. E nós, crianças descompromissadas com a realidade, despertávamos de uma sonolência mórbida.
A mistura de sons e fragrância parecia proceder do além. Pelo menos, essa era a impressão que ficava. O ofício religioso era longo e extenuante. As cantigas do coral ecoavam por todo o interior da “casa do senhor”. Não dava para entender as mensagens que a musicalidade transmitia, pois eram entoadas no mais puro latim. A potente voz do celebrante partia da capela-mor, atravessava o arco-do-cruzeiro e se perdia pelo interior da nave.
O silêncio era profundo na plateia de crentes. Todos os fiéis- compenetrados e exaustos- ouviam a homilia do “porta-voz de Deus” por essas paragens. A oratória era um misto de prolixo com erudito. Os padres eram especialistas em sermões litúrgicos. Gritavam demais. Essa ladainha, porém, não importava. Muito menos incomodava. Afinal, quase todo mundo dormia. Os velhos templos religiosos- frescos e suaves- eram locais ideais para sagrado cochilo.
De minha parte, como prefiro o profano ao sacro, naturalmente troco Natal por réveillon. A natividade não faz bem a mim. Nunca fez. Soa tudo muito falso, vazio e sem sentido. Há mais alambique que religiosidade nessa tradição cristã.
O nascimento de Cristo é sinônimo de comércio. Nessa época do ano negocia- se tudo, por qualquer preço. Vendem-se o menino, a mãe, o pai, os reis visitantes, os bois e as vacas. Nem o capim da estrebaria escapa dessa gula mercantilista.
Até mesmo por isso, prefiro as irreverências das passagens de ano. Gosto mais das imoralidades clássicas. Ainda assim, e apesar de tudo, desejo a todos um feliz Natal.