Publicada em 26/10/2019
ILUSÃO NA PRAÇA TIRADENTES DE OURO PRETO
Por: Fernando Silva
O entardecer na Praça Tiradentes de Ouro Preto, na década de 1970, era um momento único de muita magia, misticismo, mas principalmente de intensa vagabundagem. Todos os desocupados da antiga Vila Rica compareciam ao local, a partir das 17h. Até parecia uma assembleia previamente convocada. O bando era multiforme. A horda era formada por hippies, estudantes, malucos, prostitutas, bêbados e artistas de todos os tipos. Havia ainda alguns turistas que se misturavam a essa fauna eclética.
Até por volta das 23 horas, ali era um território sem lei. Não havia ordem. Tudo podia acontecer. O inusitado andava de braços dados com o imponderável. Os poucos policiais que se aventuravam pelo local tinham a mesma serventia da estátua de Tiradentes. Apenas compunham o cenário. Não interferiam em nada. Os degraus do monumento do herói da Inconfidência se assemelhavam a um poleiro, pois ficavam lotados de “aves raras” de todos os matizes e tendências intelectuais, sexuais e sociais. Aquele território livre seria um prato feito para sociólogos, psicólogos, e antropólogos. O tagarelar dessa turba, normalmente repicado de palavrões, ecoava por todos os lados.
Era tarde de inverno. Um sol fraco e amarelado iluminava o telhado do casario colonial. Uma turma papeava descontraidamente numa das extremidades da praça. Zizinho Sabonete, Bené Linguiça e Professor Pardal jogavam conversa fora com alguns estudantes da Escola de Minas.
De repente, aparece um ônibus com colegiais de Belo Horizonte. Um cicerone começou a contar causos da cidade histórica para os escolares da capital mineira.
Um deles se desgarrou da turma. Bastante ressabiado, o jovem se aproximou dos ouro-pretanos. Olhou para Zizinho Sabonete e, meio sem graça, soltou a bomba do dia:
- Moço, o senhor tem um baseado para me arrumar?
Sabonete ignorou a pergunta, e continuou recitando as suas abobrinhas. O garoto não se deu por vencido. Chegou um pouco mais perto e repetiu:
- Moço, o senhor me arruma um baseado?
Quase não se contendo, Sabonete berrou:
- Não encha o saco, menino. Vai caçar a sua turma.
E o estudante, cada vez mais inconveniente, insistia:
- Eu quero um baseado, moço.
- Vai se foder, apelou o já irritado Zizinho.
E o jovem:
-Moço, por favor, me arruma um baseado.
Prestes a se explodir, vermelho e trêmulo, Zizinho Sabonete capitulou:
- Tá bom, seu merda. Vou arrumar esse maldito baseado para você desaparecer da minha vida. Espera aí um pouco.
Afastou-se do pessoal, e entrou apressadamente no Beco do Pilão. Cerca de 20 minutos depois, para a surpresa de todos, retornou com um cigarro de papel de jornal. Aproximou-se do garoto, acendeu o estranho pito e recomendou:
- Fuma isso rápido e dê o fora, senão os “homis” pegam a gente.
O estudante tragou demoradamente o “bagulho”. Olhou para o céu. Ficou calado por alguns instantes. Depois, esbugalhou os olhos e saiu aos gritos pela praça. Corria com os braços para cima, como se comemorasse alguma conquista esportiva. Chegou junto de seus colegas, arriou as calças e mostrou um branquelo e murcho traseiro. A cena provocou espanto e gargalhadas.
Pardal se indignou com Sabonete:
- Que palhaçada! Você teve a coragem de dar maconha para um adolescente? Você não tem vergonha na cara?
Morrendo de rir, Zizinho explicou tudo:
- Vocês acham que eu sou doido? Aquilo não era maconha. Era um cigarro de folha seca de chuchu. O moleque provou, e provou que nasceu para ser o bobo da corte.
Por: Fernando Silva
O entardecer na Praça Tiradentes de Ouro Preto, na década de 1970, era um momento único de muita magia, misticismo, mas principalmente de intensa vagabundagem. Todos os desocupados da antiga Vila Rica compareciam ao local, a partir das 17h. Até parecia uma assembleia previamente convocada. O bando era multiforme. A horda era formada por hippies, estudantes, malucos, prostitutas, bêbados e artistas de todos os tipos. Havia ainda alguns turistas que se misturavam a essa fauna eclética.
Até por volta das 23 horas, ali era um território sem lei. Não havia ordem. Tudo podia acontecer. O inusitado andava de braços dados com o imponderável. Os poucos policiais que se aventuravam pelo local tinham a mesma serventia da estátua de Tiradentes. Apenas compunham o cenário. Não interferiam em nada. Os degraus do monumento do herói da Inconfidência se assemelhavam a um poleiro, pois ficavam lotados de “aves raras” de todos os matizes e tendências intelectuais, sexuais e sociais. Aquele território livre seria um prato feito para sociólogos, psicólogos, e antropólogos. O tagarelar dessa turba, normalmente repicado de palavrões, ecoava por todos os lados.
Era tarde de inverno. Um sol fraco e amarelado iluminava o telhado do casario colonial. Uma turma papeava descontraidamente numa das extremidades da praça. Zizinho Sabonete, Bené Linguiça e Professor Pardal jogavam conversa fora com alguns estudantes da Escola de Minas.
De repente, aparece um ônibus com colegiais de Belo Horizonte. Um cicerone começou a contar causos da cidade histórica para os escolares da capital mineira.
Um deles se desgarrou da turma. Bastante ressabiado, o jovem se aproximou dos ouro-pretanos. Olhou para Zizinho Sabonete e, meio sem graça, soltou a bomba do dia:
- Moço, o senhor tem um baseado para me arrumar?
Sabonete ignorou a pergunta, e continuou recitando as suas abobrinhas. O garoto não se deu por vencido. Chegou um pouco mais perto e repetiu:
- Moço, o senhor me arruma um baseado?
Quase não se contendo, Sabonete berrou:
- Não encha o saco, menino. Vai caçar a sua turma.
E o estudante, cada vez mais inconveniente, insistia:
- Eu quero um baseado, moço.
- Vai se foder, apelou o já irritado Zizinho.
E o jovem:
-Moço, por favor, me arruma um baseado.
Prestes a se explodir, vermelho e trêmulo, Zizinho Sabonete capitulou:
- Tá bom, seu merda. Vou arrumar esse maldito baseado para você desaparecer da minha vida. Espera aí um pouco.
Afastou-se do pessoal, e entrou apressadamente no Beco do Pilão. Cerca de 20 minutos depois, para a surpresa de todos, retornou com um cigarro de papel de jornal. Aproximou-se do garoto, acendeu o estranho pito e recomendou:
- Fuma isso rápido e dê o fora, senão os “homis” pegam a gente.
O estudante tragou demoradamente o “bagulho”. Olhou para o céu. Ficou calado por alguns instantes. Depois, esbugalhou os olhos e saiu aos gritos pela praça. Corria com os braços para cima, como se comemorasse alguma conquista esportiva. Chegou junto de seus colegas, arriou as calças e mostrou um branquelo e murcho traseiro. A cena provocou espanto e gargalhadas.
Pardal se indignou com Sabonete:
- Que palhaçada! Você teve a coragem de dar maconha para um adolescente? Você não tem vergonha na cara?
Morrendo de rir, Zizinho explicou tudo:
- Vocês acham que eu sou doido? Aquilo não era maconha. Era um cigarro de folha seca de chuchu. O moleque provou, e provou que nasceu para ser o bobo da corte.